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Desabafo de uma surda chamada Andréia - parte I

quinta-feira, maio 30, 2013


Hoje vou postar um desabafo, não um conto ou algo que aconteceu comigo. 



Uma amiga que conheci através da minha página no facebook: www.facebook.com/LibrasEuFaloComAsMaosse emocionou com o conto de Clara, que não era real, mas pode ser, e se encorajou a relatar sua história. Embora tenha enviado foto, pediu que seu nome fosse mantido em segredo. Por isso, neste "dasabafo", a chamarei de Andréia:

“Oi, vou colocar aqui um desabafo. Ao ler a história de Clara,
apesar de não ser real, novamente me emocionei.

Mas realmente é fato, só quem é deficiente auditivo/surdo sabe como é enfrentar estas dificuldades.

No trecho onde Ângela diz que amarram as mãos de Clara para que ela falasse, isso é uma prática que muitos já tiveram no passado. Eu fui oralizada a todo custo. Frequentei fono por 8 anos até adquirir a fala "quase" perfeita. Também foi-me negado a língua de sinais. Fui obrigada a usar aparelho mesmo não querendo. Eu era criança, tinha que seguir o que os adultos achavam que era melhor pra mim. Inclusive, me afastaram de alguns colegas surdos que usavam língua de sinais para que eu não aprendesse.
Na escola, também fui rejeitada.  A diretora chegou a dizer que se eu não acompanhasse a turma, seria mandada para a APAE. Mas eu já tinha sido alfabetizada em casa. Entrei na 1ª série sabendo ler e escrever. Por isso  minha escrita não denuncia minha surdez. 

Sempre li muitos livros. Inclusive em voz alta, para treinar a "fala". Mas sempre me faltou algo: pessoas surdas. Onde elas estavam? A convivência com elas deveria ser comum em minha vida. Isso fez muita falta na minha infância e adolescência. Hoje adulta, tenho uma família ouvinte: marido e filha. Entendo também as dificuldades de ambos perceberem as minhas necessidades. 

Por exemplo: falar de costas. Eu faço leitura labial, de costas é impossível. Gritar quando está num outro cômodo da casa sendo que não escuto. 

Minha filha disse uma vez: “Mãe, você não parece surda. Você é diferente dos outros surdos que conheço. Por isso esqueço que não adianta falar alto e gritar.” - Pois é...

Ou seja, surdos oralizados também sofrem. Já aconteceu um absurdo que até hoje não esqueço:

Uma colega de trabalho soube que sou surda e não me disse nada. Depois de um tempo, ela me disse que eu era falsa, que eu não era surda coisa nenhuma porque eu falava muito bem. Que o meu problema era outro. 

Então eu disse: “Então está certo! Você tem como provar que não sou surda?” - Ela ficou parada, me olhando, e disse:” Ah! Qualquer um pode provar. Está na cara.” – Então eu disparei: “Ah, então tá. Faça isso e eu provo o contrário.” 

E então fiquei esperando que ela fizesse alguma coisa.  Mas ela não fez. Passou um tempo e fui transferida de setor. Antes fui até ela  e perguntei se ela havia esquecido de provar que eu não era surda. Que eu estava esperando por isso. Foi então que ela disse que não ia mais fazer isso, já que ela tinha conversado com o pessoal do departamento e lá tinha uma fono, que tinha explicado meu caso à ela. 

E mesmo assim, eu senti que ela ainda não acreditava. 

Aí está um exemplo da falta de informação sobre a surdez e suas variações: surdez, deficiente auditivo, bilinguismo, oralismo  e outros pontos importantes neste assunto que traz muitos transtornos à sociedade. Além da falta de comunicação por parte da sociedade na língua de sinais, seja nas escolas, nos hospitais, nos bancos, enfim, nos lugares públicos que toda pessoa usa no seu dia-a-dia, hoje vejo que é preciso avançar nos mecanismos para a comunicação da língua de sinais ser bem sucedida. 

As pessoas até podem fazer um curso que tenha LIBRAS básico, intermediário ou avançado. Mas somente isto não basta, é preciso COMPREENDER o universo surdo, a cultura surda.”

Chato não é mesmo? Uma pena que Andréia tenha sido raptada de sua cultura durante sua infância e adolescência. Quando você nega a língua de sinais, você nega o direito que esta pessoa tem de ser surda. Eu não concordo com isso. Você nega alguém por ser míope? Hipertenso? Diabético? Essas também são deficiências invisíveis. Temos que provar que somos míopes, hipertensos e diabéticos. Acho feio, horrível e triste quando perguntam se surdos falam. Sim, eles falam com as mãos e eu acho lindo isso. Mãos fazem carinho, jogam, consolam, enxugam lágrimas, cozinham, alimentam e FALAM. As pessoas riem quando digo isso. Mas já repararam como todas as pessoas mexem as mãos e os braços quando falam? Mesmo os telejornalistas quando apresentam as notícias: mexem na caneta, gesticulam com as mãos... Vamos fazer um teste? Coloque suas mãos para trás e tente contar uma piada, uma história, narrar algo. Veja como é ruim falar com as mãos para trás. Parece que sem elas não conseguimos nos expressar direito.

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