eu e Libras,
Isso daria um livro?
Depoimento de Samuel: "Eu quero ser surdo."
quarta-feira, maio 29, 2013Hoje venho relatar o depoimento de um surdo, que me ajudou a criar o slide que ilustra essa história. Recebi muitos comentários sobre as fotos dos implantados e sobre a frase que escrevi: “Vamos repensar o implante coclear! Libras é linda!! Vamos divulgar!!!” no slide: “Me permita ser surdo e usar a minha língua.”
Isso gerou discussões aqui e algumas pessoas me perguntaram se sou
contra ou a favor do implante, pois da maneira como postei, parece que repudio
e condeno. E não é nada disso.
Bom, primeiro vou contar a história deste surdo que quis criar o slide,
ok? Ele me pediu para trocar seu nome e que nenhuma foto sua fosse postada. Eu
respeito muito isso, embora tenha muitas fotos dele na minha página pessoal
do facebook e algumas pessoas devam imaginar quem é. Mas seu nome fictício será
Samuel e de seus pais Sandra e Antonio.
Samuel nasceu surdo e sua mãe Sandra nunca aceitou isso. Seus pais perceberam
que ele era surdo por volta dos 3 anos de idade. No início achavam que era
falta de atenção, que ele vivia num mundo imaginário como todas as crianças.
Mas aos poucos perceberam que ele não se assustava com fogos de artifício, com o bater de uma
porta quando venta, etc... Levaram-no ao médico e foi constatada a surdez.
Sua mãe, nunca aceitou isso. Seu pai Antonio, levou um choque, mas
acabou por pesquisar mais sobre o assunto. Foi até buscar pessoas com filhos
surdos e fez amizade para trocar experiências sobre ter um filho surdo. Isso
foi o início do fim do casamento entre Sandra e Antonio. Sandra queria que seu
filho fosse “normal” e foi buscar tecnologias para que seu filho escutasse.
Antonio foi contra. Ambos foram a vários médicos para cogitar a hipótese de
implantar Samuel. Sandra queria e Antonio não. Antonio achava que seria melhor esperar
Samuel crescer para que ele mesmo expressasse sua própria vontade em relação ao
implante. Sandra, não quis. Veio o divórcio e com ele uma árdua batalha
judicial pela frente.
Por mais que se explicasse que Samuel jamais ouviria como
um ouvinte nato, Sandra achava que com seu filho tudo seria diferente. Foram
anos de batalha na justiça e Samuel crescendo. Foi oralizado a duras penas e vivia
em duas casas. Nos dias que passava com o pai, este o estimulava a praticar
sinais e o levava para passar algum tempo com os filhos surdos de amigos que
ele acabou conhecendo para dividir suas experiências de ter um filho surdo. No
grupo dessas crianças, todas brincavam e nenhum pai cogitava a idéia de
implantar seus filhos. Aceitaram a surdez como uma diferença funcional e não
como doença. Samuel gostava de brincar com seus amigos surdos e quando chegava
a hora de voltar para a casa da mãe, ele não queria. Tentava usar sinais com a
mãe, mas ela batia em suas mãos cada vez que ele tentava fazer um sinal.
Samuel foi implantado aos 13 anos de idade sem saber se realmente queria
isso. Ele conta que no começo foi difícil. Além de doloroso, teve que raspar a
área da cirurgia e o implante ficava à mostra. Ele morria de vergonha. Todo dia
de manhã era uma luta para encaixar a bobina. E toda vez que colocava e ligava,
levava um susto. Era como se uma bomba explodisse dentro de sua cabeça. Passava
a ouvir vários barulhos ao mesmo. Não conseguia distinguir as vozes das pessoas
ou diferenciar alguns sons. Todo dia ia dormir nervoso e com dor de cabeça.
Cada sessão de fonoaudiologia era uma tortura. Não aguentava ir à escola e
ouvir a professora, os alunos, o ventilador, o sinal... Depois ia à fono. Ficar
cheirando flor a pagando vela o irritava. (Isto é um tipo de exercício que as
fonos fazem). O simples barulho de um soprar, soava como um ciclone em sua
cabeça. Samuel era um excelente nadador e toda vez que ia ao treino tinha que
retirar, depois colocar... Um saco. Muitas vezes esquecia e levava bronca de
sua mãe.
Começou a pedir para passar mais tempo com o pai. Ele sentia falta de
seus amigos surdos, de usar língua de sinais. Sempre que ia à casa de seu pai,
não usava o encaixe externo do implante.
Isso foi motivo para mais uma briga na justiça. Sandra não queria que
Samuel ficasse a sós com Antonio, pois acreditava que o pai influenciava nas
opiniões de Samuel, e que isto não era bom. Sandra queria que Samuel ouvisse. Porém,
Samuel queria ser surdo, mas não podia ser.
Isso gerou muitos conflitos a Samuel durante sua adolescência. Sua mãe
queria implantá-lo e ele pensava: “Se for
implantado, será que minha mãe me aceitará como filho? Ela irá me amar de
verdade?” - Já com seu pai, os sentimentos eram outros: “Como meu pai pode me amar se sou surdo? Se ele é contra o implante,
quer dizer que se eu for implantado, não irá me amar tanto como ama agora.”
A repúdia ao implante se tornou total quando Samuel conheceu Helena, uma
garota surda, filha de mãe surda e pai ouvinte. Helena usava sinais desde
criança. Sua mãe usava língua de sinais e seu pai também. A partir daí, Samuel
deixou de encaixar a parte externa do implante.
Hoje ele tem 22 anos, namora Helena há 1 ano e prepara-se para retirar a parte interna do implante, mas tem medo. Toda vez que vai ao médico, o médico lhe diz para tentar mais, que é preciso praticar, fazer uso das terapias com fono, blá, blá... Mas ele quer tirar.
Ele diz que não tem nada contra quem implanta, mas ele não quer. Ele quer usar língua de sinais, quer nadar e retirar o implante.
Hoje ele tem 22 anos, namora Helena há 1 ano e prepara-se para retirar a parte interna do implante, mas tem medo. Toda vez que vai ao médico, o médico lhe diz para tentar mais, que é preciso praticar, fazer uso das terapias com fono, blá, blá... Mas ele quer tirar.
Ele diz que não tem nada contra quem implanta, mas ele não quer. Ele quer usar língua de sinais, quer nadar e retirar o implante.
Então, meu slide foi criado em cima desse depoimento. Quem quer fazer
implante faz, quem não quer, não faz. Eu sou ouvinte, meus filhos são ouvintes
também. Não tenho parente surdo na família.
Mas o implante coclear não resolve a maioria dos casos de surdez. É preciso que a família e a pessoa candidata ao implante estejam cientes de todos os prós e contras.
Mas o implante coclear não resolve a maioria dos casos de surdez. É preciso que a família e a pessoa candidata ao implante estejam cientes de todos os prós e contras.
- Vai resolver 100%?
- Serei capaz de distinguir vozes?
- Vou ser ouvinte?
- Como a comunidade surda vai me encarar?
- Eu quero realmente ser implantado, ou o serei para agradar minha
família?
As pessoas tem que se conscientizar que em primeiro lugar vem a vontade
do surdo. Não é implantar, ligar o botãozinho e pronto.
No caso de Samuel, ele se sentiu tolhido. Roubaram uma fase de sua vida
que ele não viveu. Ele não pôde ser surdo como as outras crianças. Não pôde
conhecer a língua de sinais, pois vivia no fogo cruzado da batalha judicial
entre seus pais. Hoje ele vive uma relação meio tumultuada com sua mãe que até
hoje não aceita o fato dele querer retirar a parte interna.
“Porque queriam decidir algo por
mim? E a minha vontade? Quem é o juiz para decidir se devo ser implantado ou
não? Minha mãe nunca quis saber da minha vontade. Como eu me sentia em relação
ao implante.”
Foi por isso que criei o slide. Em cima do depoimento de
Samuel. Difícil julgar a mãe ou o pai, pois só sei a versão de Samuel e é isso
que importa. Ele é a pessoa essencial nesta história. Ele ainda cita os 3
primeiros artigos da Declaração Universal dos direitos Humanos:
Artigo I
Todas as pessoas nascem
livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e
consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade. Aqui, violaram seu direito de nascer livre e igual em dignidade e direitos. Ele tinha o direito de ser surdo e não respeitaram isso.
Artigo II
Toda pessoa tem
capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional
ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Aqui, sem distinção de qualquer espécie... ou de outra natureza. Sua natureza era surda e não aceitaram.
Artigo III
Toda pessoa tem direito
à vida, à liberdade e à segurança pessoal.Aqui, toda pessoa tem direito à vida. Ele quis que sua vida fosse no silêncio e não permitiram.
4 comentários
Maravilhosos esse post. Minha filha é surda e desde que tomamos conhecimento de todas as implicações decidimos por não implantar. Quando contamos nossa decisão ao médico da família, ele me disse:
ResponderExcluir_ E se quando ela crescer ela te perguntar por que você não a implantou?
E a minha resposta foi imediata:
_E se ela me perguntar por que eu a implantei?
Hoje tenho a plena consciência de que tomamos a decisão certa. Minha filha é fluente em Libras e me diz que gosta de ser surda, que não quer ouvir!
Somos felizes!
Oi Neide, me desculpe pela demora em responder. Estou aguardando seu e-mail. Bjus
ExcluirOnde encontro esse slide?
ResponderExcluirEsse slide, fui eu mesma quem fez.
ExcluirSeu comentário é muito importante!
Obrigada